Colunista explica os prós e contras de cada modelo.
Nunca viajou de moto?
Não sabe o que está perdendo... Já viajou, mas deu tudo errado? Tente de novo,
pois poucos veículos dão a chance de viver tão intensamente cada metro
percorrido. Mais do que medir sua aventura ou simples passeio em dias ou
quilômetros rodados, viajar de motocicleta permite uma experiência única, cuja
melhor medida é a emoção.
Onde dá para ir de moto? A todo lugar. Aviões precisam de
aeroportos, barcos de uma baía calma para ancorar, carros, de estradas. Já
motos... elas dispensam basicamente tudo. Há bem poucos lugares onde motos não
chegam e, quando isso ocorre, é porque se trata de total impossibilidade – uma
ilha, por exemplo – ou de uma escolha errada, como rumar para o Alasca em pleno
inverno no hemisfério norte.
Exagerando, podemos dizer que são capazes de rodar onde
ninguém jamais colocou o pé. Patagônia, Alasca, Chuí, Oiapoque, Ténéré,
Atacama, Cabo Norte, Sahara, Sibéria são localidades onde, tenham certeza,
motos chegaram nas mãos dos melhores motociclistas, o que não quer dizer,
obrigatoriamente, dos mais habilidosos. Talvez o mais correto seria usar mais
obstinados ou mais organizados.
Perseverança e prever o que pode dar errado é traço comum
dos que conseguem atingir objetivos ao guidão, sejam eles grandiosos ou não.
Como escolher o
roteiro
“Tenho uma Honda Biz 100 e quero ir visitar amigos em Buenos
Aires. Será que consigo?” Imagino essa frase estampada num e-mail de um leitor
que vive, por exemplo, em Fortaleza. O que eu responderia? Sim, claro que dá,
mas sua atitude deve combinar com seu meio de locomoção. Tal roteiro extenso,
montado em uma veículo de baixa cilindrada vai exigir tempo, muito tempo, e uma
calma que a seleção natural reservou a poucos seres humanos. É seu caso?
Projetada para uso urbano, no qual não se considera a
eventualidade de um posto de abastecimento de combustível estar muito distante
de outro, a robusta e valente Biz (e sua congênere Yamaha Crypton) rodaria
corajosamente os 5 mil quilômetros de chão que separam as duas cidades.
No entanto, apesar da economia de combustível ser um ponto
forte do modelo, o tanquinho de apenas 5,5 litros da Biz (4,2 l na Yamaha...)
tornaria a viagem uma odisseia cujo título poderia ser “Em busca do posto
perdido...”. Ou seja, que dá, dá, mas há modelos melhores para uma empreitada
desse calibre.
Então, é preciso uma moto grande para viajar? José Albano
diz que não. Renomado fotógrafo cearense que começou a andar de moto depois dos
40 anos, Zé empreendeu diversas viagens a pontos muito distantes de sua
criativa casa nas areias da praia de Sabiaguaba, em Fortaleza.
No lombo de uma Honda
ML 125 do comecinho dos anos 1980, Zé Albano sabiamente substituiu a pressa de
chegar pelo prazer de passear. Em seu livro, “O manual do viajante solitário”,
há nas entrelinhas uma regrinha básica que se aplica não apenas à viagens de
moto, mas, principalmente, à vida: mais importante do que alcançar o objetivo é
aprender as lições que o caminho até ele ensina. Filosofia? Sim, puríssima.
Zé e sua 125 são “auto-suficientes”. Na moto vai pouca
bagagem, mas não falta a barraca, o fogareiro e alimentos básicos. Cansou?
Para, come e dorme. Onde? Onde quer que seja, preferencialmente perto da
estrada, mas longe da vista de quem passa nela, camping selvagem. Medo? Ele mesmo responde: “Aprendi a dar uma
resposta às inúmeras pessoas que me abordam com a frase: “Mas que coragem!” A
minha resposta é: “Coragem é a sua de ver a vida passar dentro de casa! Como é que
você tem coragem de gastar a vida desse jeito?”
Albano representa um tipo extremo de motociclista, a prova
de que não há limitações de trajeto para uma moto, qualquer que ela seja, desde
que se respeitem seus limites e características.
Mas é claro que a indústria do setor já bolou motos para
levar você (e acompanhante, se for o caso) com um conforto digno de classe
executiva de voo intercontinental. Exagerei? Pouco, bem pouquinho, e disso
sabem os agraciados com ao menos um par de quilômetros ao guidão da “nave”
Honda GL 1800 Gold Wing que, acreditem, é a máquina que se move sobre duas
rodas mais confortável que o ser humano criou.
E atenção, eu disse “mais confortável”, pois, nessa mesma
categoria há a BMW K 1600 GTL, que pode ser considerada a “mais performante” da
classe, enquanto a mãe de todas elas, a Harley-Davidson Electra Glide Ultra,
pode ser chamada de a mais icônica, clássica ou lendária. Ou tudo isso junto.
Seja qual for, em uma dessas a experiência de viagem é quase
um ritual místico, onde condutor e acompanhante se sentem abduzidos para uma
galáxia especial onde tais “naves” – que exigem donos com finanças saudáveis –
são exceção e não regra. Resumindo: são para poucos. Além disso, é importante
lembrar que este tipo de motocicleta não digere bem estradas ruins, o que, infelizmente,
as torna limitadas a poucas rodovias de nosso grande Brasil.
Caso oposto no quesito versatilidade (mas não no que diz
respeito ao preço alto) é o das big trails, cuja referência é a BMW R 1200 GS
Adventure. Ela engole literalmente tudo o que você apresentar sob seus pneus –
terra, lama, pedras, areia e muito asfalto – tendo como parceiros um grande
tanque de combustível que favorece rodar sem tanto estresse em busca do posto,
assim como proteção aerodinâmica e excelente capacidade de carga.
Nada melhor do que uma GS (e suas assemelhadas, como a
Yamaha Super Ténéré, a Honda Crosstourer e Kawasaki Versys Grand Tourer, entre
outras) para ir literalmente onde você quiser. Exigem habilidades especiais?
Sim, são motos que demandam certa manha e, quanto pior for a estrada, mais
talento será necessário para domar tanta exuberância.
O mundo ‘normal’
Felizmente entre esses extremos de veículos e roteiros há o
mundo “normal”, onde a maioria de nós se enxerga. E neste universo do possível
e do viável há a viagem bate-e-volta de final de semana, onde o limite quem
determina é seu traseiro, pois tanto você pode ser do tipo que acha moleza
rodar mil quilômetros em um dia quanto ser o cara que se satisfaz com uma
centena, ou nem isso.
Para essas viagens, a moto do dia a dia serve. Talvez até
mesmo seu scooter seja ótimo para descer a serra e pegar uma praia, ou subir a
montanha e fugir do calor do verão. O importante é ter sempre em mente as
limitações: suas e da sua motocicleta. E entender que há modelos mais adequados
para viagem e outros mais adaptados ao uso urbano ou esportivo.
As naked médias, categoria “larga” na qual incluímos desde a
Yamaha Fazer 250 até a Kawasaki ER-6n, funcionam de modo excelente na estrada,
apenas com o senão da proteção aerodinâmica ser zero, o que acaba prejudicando
manter de um ritmo de viagem rápido.Já uma Yamaha XJ6 F ou a Honda CBR 600F,
dotadas de carenagem, literalmente mudam a vida de seus donos para melhor se
comparadas às irmãs XJ6 N e Honda CB 600F Hornet, nuas como Adão e Eva.
O mesmo paralelo serve para duas populares motocicletas,
muito acessíveis, e que permitem boas viagens caso não haja pressa: Yamaha XTZ
250 Ténéré e a Honda XRE 300. A primeira salva a pátria do seu condutor
desviando o ar com competência por conta do pequeno mas cumpridor para-brisa. A
XRE não tem nada de proteção e, portanto, cansa bem mais.
Custo-benefício
Degraus acima destas duas estão devoradoras de quilômetros,
recomendáveis pela ótima relação custo-benefício sob o ponto de vista viajante:
são elas a Honda XL 700V Transalp e a Yamaha XT 660 Ténéré, que não se assustam
com distâncias grandes nem piso ruim, conciliando isso com bom conforto.
Já os fascinados pela velocidade optam por motos de outras
tribos para enfrentar viagens de qualquer extensão. No topo da cadeia alimentar
estão as brutais Kawasaki ZX-10R, Suzuki GSX-R 1000 e derivadas. Conforto?
Nenhum. Em troca, dão precisão, estabilidade e potência explosiva.
O limite de velocidade é 120 km/h nas melhores estradas,
certo? Porém, ainda não há restrição ao tempo no qual, saindo de um pedágio,
você alcança essa marca... E isso, para alguns, pode ser a recompensa para
pernas dobradas e costas encurvadas.
Pincelamos aqui as possibilidades de motos e o que pode se
fazer com elas se o tema é viajar. A conclusão é que todas valem a pena desde
que haja consciência das limitações oferecidas pela moto e pelo roteiro. Na
semana que vem o tema viagem estará de volta.
Fonte: Roberto Agresti escreve sobre motocicletas há três décadas. Nesta coluna no G1, compartilha dicas sobre pilotagem, segurança e as tendências do universo das duas rodas.
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